quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Da Engrenagem à mandala (Cap.1)

De Marcos Carvalho Lopes, retirado da produção: "Engenheiros do Hawaií-da engrenagem à mandala"


VERTIGENS COMO HORIZONTE


O que é este trabalho? Para que e para quem ele é útil? Qual a sua pretensão? Nesta introdução tentarei dar alguma resposta para essas perguntas, mas, de modo rápido posso dizer que esse trabalho pretende aboradar temáticas filosóficas tomando por referências algumas letras de canções da banda Engenheiros do Hawaii (letras de Humberto Gesinger). Considero que ele é útil como material didático, para quem quer se aproximar de algumas temáticas filosóficas a partir dos signos de nosso tempo e para quem é fã dessa banda.
No início do curso de filosofia, fiz um trabalho sobre Ortega y Gasset em que relacionei o pensamento sociológico desse autor emO hcom um conto de Rubem Fonseca. Nele falei de uma canção dos Engenheiros do Hawaii que citava o filósofo espanhol e, para mim, trazia uma boa imagem de seu pensamento sociológico. Para Ortega y Gasset o homem sempre vive em determinadas circunstâncias, contudo, essas não determinam totalmente sua identidade e nem retiram sua responsabilidade. A frase mais famosa de Ortega y Gasset diz: “eu sou eu e minhas circunstâncias, se não me salvo a elas, não me salvo a mim mesmo”. Quem se deixa simplesmente levar pela correnteza, abandona seu eu e se torna circunstância: essa indiferença é para o filósofo espanhol a porta de entrada
5 do fascismo. Na letra de Humano Demais, Humberto Gessinger dizia a certa altura: “agora somos só nos dois: eu e minhas circunstâncias/ sempre foi só nos dois: eu e minhas circunstâncias/ eu e eu e eu e eu e eu...”. O que Ortega y Gasset queria era não dissolver a responsabilidade individual em justificações coletivas (falava em liberalismo não individualista ). Uma canção dos Engenheiros do Hawaii me ajudou a pensar sobre esse assunto.
Outra coisa que acho importante falar sobre Ortega y Gasset é que sua frase apareceu num livro estranho chamado Meditações sobre o Quixote. É como se nessa obra, passeando pelas ruas de Madrid o jovem Ortega y Gasset procurasse caminhos para fazer filosofia: as circunstâncias espanholas, a ausência de uma tradição anterior, não seriam desculpas para ele deixar de pensar filosoficamente. Era necessáriosalvar as aparências, pesar suas circunstâncias. Considerando as semelhanças entre o contexto de Ortega y Gasset na Espanha do início do século XX e o Brasil atual, cheguei a considerar a possibilidade de escrever algo como Meditações sobre o Casmurro, mas só o título veio... a idéia era falar do ressentimento e dos ataques ad hominen que impedem um maior
desenvolvimento da filosofia em nosso país. Quem tenta pensar a partir de suas circunstâncias e considerado frívolo e recriminado por suas idiossincrasia.
Essa experiência de tentar juntar linguagens e mixar cultura continuou me fascinando, mas dentro da universidade não tive espaço para exercitar esse tipo de perspectiva.
Quando comecei a dar aulas, sete anos atrás, percebi o quanto o discurso filosófico carecia de conexões com a realidade dos alunos. 6 O filósofo espanhol Jose Ortega y Gasset Considerei até mesmo que, se era para cair no vazio de um discurso estéril, talvez fosse melhor continuar com a velha Educação Moral e Cívica... Bobagem: se nada faz sentido, o melhor é arregaçar as mangas. No caso de quem saiu da faculdade com pouco preparo e encontra condições de subemprego, é bom tentar se inventar como professor e continuar estudando. Para “se inventar como professor” é preciso se arriscar, assumir a primeira pessoa que traz junto a responsabilidade: se na faculdade nunca te deram voz, na sala de aulavocê é quem deve promover o diálogo... ou repetir o padrão de desconversação que é o mais comum.
Quando falo em “promover o diálogo”, não estou dizendo que não devem existir conteúdos que norteiem o trabalho; diálogo sem direção não produz resultados (e os próprios alunos são os primeiros a perceberem isso). Empolgam-se com a possibilidade de ter voz e exercem a retórica do “quem fala mais alto vence”. O professor nesses casos pode usar óculos escuros e sentar-se no fundo da sala. No fim do ano os alunos dirão que tiveram aulas legais, mas que não aprenderam nada.... E não aprenderam mesmo. Não sei se é possível equilibrar bem a questão do diálogo com a importância dos conteúdos. Acho que na faculdade os alunos devem ser orientados e desenvolver sua posição individual (para serem bons professores, profissionais dinâmicos, pesquisadores etc.) e, no ensino médio, o professordeve oferecer os conteúdos básicos para que o aluno possa seguir os seus objetivos (que podem incluir entrar em uma universidade). Se esses conteúdos puderem ser contextualizados e assim integrados na vida dos alunos, muito melhor.

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